Crise econômica leva a aumento de 60% nas ações de distrato de imóveis
Tapai Advogados | Em 20 de maio de 2015
O mercado imobiliário vive uma situação bastante complicada e o principal sintoma disso já está sendo sentido pelas incorporadoras, que assistem a aumento preocupante de pedidos de distrato. O distrato acontece sempre que alguém que pretendia adquirir um imóvel na planta desiste do negócio depois de já ter assinado o contrato com a incorporadora.
No escritório Tapai Advogados, especializado em direito imobiliário, houve um aumento de 60% nas ações de distrato entre o primeiro semestre deste ano e o do ano passado.
Os distratos, que representavam 42% dos processos em 2014, passaram a representar 64% do total neste ano.
Segundo o advogado especialista em Direito imobiliário e presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP, Marcelo Tapai, desfazer o negócio é um direito do comprador e, pela jurisprudência existente, a incorporadora deve devolver de 85% a 90% do que o cliente pagou. Os valores devem ser corrigidos monetariamente e pagos em parcela única e o consumidor não pode ter o nome negativado.
Embora o distrato seja uma saída para o consumidor escapar da insolvência, a medida representa uma enorme frustração de expectativas e o adiamento (ou cancelamento) da compra da casa própria. O mercado imobiliário também sai prejudicado, pois aumenta a insegurança e o risco de prejuízo das incorporadoras. Esse aumento dos distratos ajuda a explicar por que o estoque de unidades novas bateu recorde neste ano.
Assim, o ideal seria evitar que se chegasse a esse ponto. Para isso, porém, é preciso entender os principais fatores que levam as pessoas ao distrato.
A venda de imóveis na planta, ou seja, que ainda nem foram construídos, é uma típica jabuticaba: do jeito como é feita, só existe no Brasil. Embora outros países até ofereçam essa modalidade, a proporção é bem menor. No mundo todo, o mais comum é o investidor obter o volume de dinheiro necessário para financiar todo o empreendimento e, depois de construir, vender as unidades prontinhas.
No Brasil, como é quase impossível ao empreendedor conseguir financiar todo o montante necessário, deu-se outro jeito. Os futuros proprietários se tornam parceiros da incorporadora e começam a pagar pelo apartamento antes mesmo do início da obra.
Como o apartamento ainda não está construído, o que se firma com a incorporadora é um contrato de intenção de compra, e não uma compra propriamente. O futuro proprietário se compromete a pagar para a incorporadora cerca de 20% do valor do imóvel e assumir um financiamento bancário para pagar os 80% restantes.
Os 20% são pagos ao longo do tempo em que o edifício é construído, o que leva em média três anos. Apenas ao final desse período, quando o apartamento já pode ser ocupado, é que o futuro proprietário sai à procura do financiamento bancário para arcar com a maior parte do valor do imóvel.
Em muitos casos, só então ele descobre que ainda terá de vencer alguns complicadores para levar o negócio ir adiante. Vejamos:
1) O primeiro é que o banco não vai liberar todo o montante que falta ser pago, mas apenas 80% do que o banco disser que é o que o imóvel vale. Isso significa que pode haver discordância entre o valor estipulado pelo banco, baseado numa avaliação própria, e o valor estipulado pela incorporadora, que é o que foi firmado com o consumidor corrigido pelo índice INCC. Por exemplo: o banco diz que o imóvel vale 450 mil reais, mas o valor acordado com a incorporadora mais a correção indicam que ele vale 500 mil reais. Há 50 mil reais de diferença. E quem arca com ela é o consumidor.
No banco, esse consumidor conseguirá obter, na melhor das hipóteses, 80% de 450 mil, o que dá 360 mil. A incorporadora quer que ele pague 80% de 500 mil, o que dá 400 mil. Os 40 mil reais que faltam nessa conta terão de ser pagos pelo consumidor com recursos próprios. Algumas incorporadoras têm oferecido parcelar a diferença em até 60 meses, num esforço para que a compra vingue.
2) O segundo complicador é que o panorama da economia pode mudar. Ninguém sabe ao certo como a situação estará no momento de sair à caça ao crédito. Quem comprou na planta em 2012, por exemplo, dificilmente imaginaria que a exigência para liberar o financiamento e as taxas de juros bancários teriam mudado tanto de lá para cá. Quem depende de comissões em vendas ou bônus está recebendo menos, sem falar em quem foi demitido. Essas pessoas podem nem sequer conseguir obter financiamento ou não ter como arcar com as parcelas fixadas pelo banco.
3) Muitos consumidores se queixam de não terem sido devidamente informados dos riscos que assumem ao comprar na planta. Corretores habilidosos são capazes de fazer tudo parecer fácil e rápido,o que nem sempre se confirma na prática. Isso vale mesmo em relação ao distrato. Como as incorporadoras tentam evitar ao máximo chegar a esse ponto, o mais comum é o consumidor ter de entrar com ação na Justiça para conseguir desfazer o negócio, mais uma despesa com a qual ele não contava.
Para evitar que o número de distratos siga crescendo, uma boa alternativa é a que já está sendo colocada em prática, um jogo de cintura maior das incorporadoras para parcelar a diferença entre o valor de venda e aquele liberado pelo banco (no exemplo, os 40 mil reais). Mais interessante ainda seria a criação de mecanismos que evitassem essa diferença, unificando a avaliação do banco e o valor cobrado pela incorporadora em um mesmo valor — ou, pelo menos, com uma margem de diferença máxima. Outro caminho seria firmar uma pré-proposta de financiamento com o banco no momento da assinatura do contrato com a incorporadora, o que diminuiria as chances de o consumidor ficar sem crédito na hora H. Modelo parecido já é adotado no mercado de baixa renda.
Se há males que vem para o bem, a crise econômica pode ser a oportunidade para o mercado imobiliário encontrar alternativas mais seguras e atraentes tanto para quem vende quanto para quem compra.
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Por Mariana Barros